terça-feira, 6 de novembro de 2007

As três mulheres

“Que vontade de por a mão meu Deus!”. Na espontâ- nea colocação de uma mulher, de meia idade, apa- rentemente; com cabelos longos e cacheados, cor de palha; olhos grandes, repleto de espanto, encantamento e desejo, fixos sobre um circulo vermelho, iluminado em uma parede branca, é que começamos a falar de Anish Kapoor.

Anish Kapoor é hoje um dos grandes nomes da arte contemporânea. Nascido em Bombaim, na Índia, e radicado em Londres desde 1972, Kapoor pela primeira vez, em “Ancension”, destaque no Centro Cultural Banco do Brasil, apresenta uma individual no país.

Seu trabalho é caracterizado por obras grandes, monumentais, de complexos acabamentos, mas o que mais marca sua personalidade é a forma sensorial de arte que extrapola os limites do objeto e mistura-se de forma intrínseca com a sensibilidade do espectador. Há artistas que buscam interação, Lygia Clark e Hélio Oiticica são os maiores representantes dessa metodologia, de uma arte conjunta, da desmistificação do sagrado, da obra onipotente e intocável, mas a interação que propõem, querendo ou não, ainda depende do interesse do público em interagir, entrar, mexer, sentir, Kapoor consegue em sua obra uma interação diferente, não voluntária, mas imposta, é como se fosse um totalitarismo sensorial, querendo ou não, o espectador a se deparar com sua arte, dialoga com ela devido aos emaranhados de sensações e percepções que ela libera.

O mais interessante de ir a uma exposição de Anish é experimentar não só as obras e o que têm a oferecer no campo semiótico, mas é também observar as reações involuntárias de surpresa e encantamento diante a arte. A mulher descrita no inicio foi advertida pelo segurança ameaçar botar a mão em uma de suas obras, sem título, mas que sensorialmente refletia as pessoas de cabeça para baixo, as fazendo perder a noção de profundidade.

No mesmo andar em que se encontrava essa mulher, está localizada a inédita, “Divisão”, outro destaque da exposição. “Divisão” é uma obra arduamente trabalhada, é complexa, detalhada e perfeccionista por si só. Consta de uma enorme sala inteira talhada em cera vermelha com um pilar branco no meio evidenciando um ato essencial e necessário á sobrevivência do homem, mas de difícil concessão, o ato de dividir. O pilar funciona como uma tentativa de dividir a sala quebrando a resistência da cera, que inexoravelmente através de suas cinco toneladas, propõe o atrito e impede a locomoção do pilar.

Perto dessa obra passava uma senhora bem arrumada, de cabelos arqueados, tingido de castanhos com reflexos de luzes, estava modestamente maquiada, e vestia um terno cinza com um chalé de onçinha contrastando ao redor do pescoço. Andava silenciosamente indo de encontro a “Espelho Duplo”; outra obra com brilhante trabalho de polimento, dispondo dois pratos enormes de aço inox, frente a frente, refletindo o espectador de diversas maneiras, um jogo ótico de visualização do homem de pé e de ponta cabeça, causando certa irritação no olhar, uma sensação de estranhamento as formas; mas voltando à senhora, como dizia, caminhava sobre o silêncio absoluto indo de encontro a “Espelho Duplo”, tudo normal, até o momento em que parou diante de uma parede branca esperando que a arte nascesse. Era evidente que não havia nada ali, mas em se tratando de Kapoor não podemos duvidar de nada, Anish como poucos conseguem criar arte onde não há aparentemente nada. Naquela parede do museu realmente não havia nada, mas ao subir um andar deparamos com a sala “Quando estou grávido”. Não vou entrar em detalhes para não influenciar nem incitar a percepção do olhar, mas é incrível como em uma sala branca por natureza a arte nasce para nós. Minha mãe, a terceira mulher, que embora goste de arte não acompanhou meu gosto por arte contemporânea ficou “boquiaberta”, em uma expressão de perplexidade e deslumbramento com a obra.

“Quando estou grávido” apresenta toda a capacidade da arte de Kapoor, monumental, sensível e ilusória, a instalação dialoga, conversa, filosofa e confunde. Após algum tempo percebemos a genialidade do mestre, podemos esperar de tudo, Kapoor sempre achara uma maneira de nos surpreender, mexer com nossos sentidos; não falo só da enorme estrutura de bronze, sem titulo, que em forma de concha, surpreende-nos pelo paradoxo entre a solidez e a leveza, entre o grande e o pequeno (vale lembrar que é uma estrutura de 4,5m equilibrada em um suporte de 10 cm); não falo só de “Pillar” uma forma cilíndrica que ao adrentarmos perdemos a percepção espacial, é como se estivéssemos em outra dimensão, o “enauseamento” (em um silogismo roseano) do olhar até que o comodismo e a letargia acostume-o para nova realidade. Quando falo de Kapoor só há uma única certeza: não podemos confiar no olhar, a percepção está além do consciente, está além no imaginário, além dos sentidos, a arte nasce, brota, surge e ressurge e a percepção é individual, única, espontânea, instantânea, não a copie, não a duplique, não há formas, ela vem, se mostra e vai embora. Kapoor pode até vir a não ser lembrado em épocas futuras, mas tem mérito de conseguir em sua arte, como uma fotografia, capturar, congelar por um segundo que seja a percepção intrínseca a nós. Freud explica! Kapoor incita! E as três mulheres...

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