quarta-feira, 21 de novembro de 2007

De um homem só

“Tudo estava de algum modo morto e importava construir algo novo a partir dos cacos”. Reconstruir, curar loucuras de um tempo, sustentar uma nova ordem, essa era a missão da Merz, de Kurt Schwitters (1887-1948), artista alemão, inovador, precursor e degenerado em sua genialidade.

Kurt Schwitters vem ao Brasil com uma mostra individual na Pinacoteca do Estado, onde podemos percorrer a trajetória do artista em 120 obras que variam das vanguardas figurativas européias a abstração do conceito Merz.

Merz, como identificou sua arte a partir de 1918, foi um nome retirado de uma colagem em que a palavra “Merz” se destacava na composição. No anúncio, desfigurado na obra, a palavra era somente uma sílaba de Kommerzbank (Banco do Comércio), mas para Schwitters, Merz significava o rompimento estético com a vanguarda figurativa, era a pura libertação da arte dos grilhões emblemáticos em beneficio a uma livre composição artística, significava quebrar com qualquer paradigma estético. Nessa abordagem é valido considerar Schwitters como um dos precursores do dadaísmo e da anti-arte, anos depois difundidos na própria Alemanha, de onde foi exilado, por George Maciunas e o Grupo Fluxos.

É interessante perceber que na realidade a Merz significava a aproximação da arte com a vida, a relação entre objetos e seus significados, era uma forma de reconstruir a arte através da reconstrução social, afetada e bombardeada pelas mazelas e destroços da Primeira Guerra Mundial.

Sua obra pós-primeira guerra caracteriza-se pela colagem como forma de representação e “resignificação” da arte. Do mais banal pedaço de papel à mais rebuscada forma de lixo: tecidos, vidros, madeiras, onde quer que fosse Schwitters desmembrava a alma Merz. Soprava vida, congelava sensações; cores, texturas, formas; experimentava o viver através da arte, unia intrinsecamente a tangível realidade cotidiana, do ser, do homem, dos objetos, com a intocável metafísica da arte, ilusória e estética, imaginativa e mágica.

O ambiente caótico, destrutivo, associadas ao contexto histórico, Primeira Grande Guerra, é fator indiscutível e essencial para a construção conceitual de suas obras. As colagens com restos de madeiras, espelhos e muitos tecidos e papéis, provenientes das mais distintas fontes, como anúncios, jornais, correspondências e a freqüente utilização das latas de lixo, exploram com o rompimento das formas artísticas idealizadas na pintura e escultura para trazer a verdade e o real à arte. O aspecto mais relevante desse contexto é que embora o caos e a sensação de movimento destrutivo, evidenciado em cores escuras e suaves e texturas ásperas e conflitantes, a composição formal da obra em sua geometrização apresenta uma organização que contrapõe as sensações de bagunça. O paradoxo mostra-se como uma curiosidade estética fundamental na obra de Schwitters, a obra provem do caos e no caos esta a ordem.

Teoria do Caos não compreendida pela arrogância, preconceito e imbecilidade nazista. A intolerância, racial, xenofóbica e por que não, destrutiva, considerou a vanguarda Merz como uma aversão ao conceito artístico, degeneralizou Schwitters a ponto de exilá-lo da Alemanha. O frente nazista considerava a arte Merz como a verdadeira vulgarização e banalidade do ideal artístico, representado na disciplina e na organização. Loucura, perturbação, o que a arte de Schwitters sinceramente transmite é a sensação de ordem e reconstrução, justamente as peculiaridades que o despotismo do regime o acusou de não ter. Ausência de um ideal, excesso de liberdade! Schwitters deu ao artista, mais que a possibilidade, o direito, de compor um quadro com o que quiser desde que este seja capaz de compor um quadro, ou seja, seja artista.

Embora a figuração ainda marque algumas obras do alemão, especialmente na primeira fase de sua carreira onde explora o expressionismo e o cubismo em pinceladas marcantes e cores vibrantes, Schwitters nunca deixou o tendência a experimentação. Seu maior feito e destaque na mostra em São Paulo é o intitulado “Merzbau” (Construção Merz - 1933) uma construção em que o artista explora e absorve tudo o que a Merz significou. Trata-se de uma grande obra em que o artista mescla arquitetura, abstração e objetos cotidianos. Uma sala inteira de formas geométricas sobrepostas, cobertas por um calmo branco que varia nas sombras e contrastes devido a exposição da luz, ora fluorescente ora incandescente. A cada fecho de luz, novas formas, novas linhas, novos objetos se evidenciam; mostram-se ao olhar, tocam o ser em sensações diversas, que variam da tranqüilidade do branco a confusão das formas. Colagens, espelhos, esculturas, cômodos escondidos, reflexos, relevo, profundidade, a cada detalhe podemos perceber uma nova relação entre o ser e o espaço, entre o objeto e o conceito, entre a arte e a existência.

Destruir, reconstruir, organizar! A ordem esta no caos! A vida esta na arte!

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Ao visitar a Pinacoteca do Estado, deslumbrei-me com uma pequena mostra de um artista israelense, acolhido pela Dinamarca, onde reside desde menino, conhecido por Tal R. Não vou entrar em análise profunda de sua obra, mas destaco suas qualidades como o artista capaz de capturar o cotidiano com a mais pura e inocente representação.

Caracterizado por telas grandes, frequentemente pintadas a óleo, sua arte mostra-se livre e solta de qualquer tendência estética e formal. Seus traços quase que inconscientemente recriam a expressão e a alegria das crianças. Sua arte é alegre, infantil. Cores quentes, vibrantes, formas simples, espírito moleque.

Não sei ao todo quantas obras apresentam-se, 10, 20, não muitas, mas em todas encontramos a sensação de ser criança novamente; a alegria e despreocupação em fazer, em viver; a pureza e simplicidade do prazer de desenhar, pintar, rabiscar, de ser e viver arte.

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